quarta-feira, 30 de julho de 2008
quarta-feira, 23 de julho de 2008
O Homem bola de fogo
O homem bola de fogo passou por aqui. Sentimos o tempo todo mas consegui não consegui vê-lo. dói a vista e o corpo.
O homem bola de fogo não sente o toque de pessoas, a não ser quando os ossos incinerados dos que estão no seu caminho viram pó ao tocar sua pele.
De tempos em tempos, quando a solidão aperta, ele carboniza propositalmente quem está na sua frente para não esquecer o que é sentir. Se ainda pudesse, choraria depois de fazer isso.
Porém, enquanto houver mundo existirá combustível capaz de fazê-lo imortal.
Ele nunca mais soube o que é ficar no escuro e parece estar cansando de tanta luz. Não pode fazer mais nada em segredo que não seja em seus pensamentos.
Certa vez confessou entre labaredas rodopiantes nunca mais ter visto seu rosto em todos esses anos. Também não sabe para onde vai.
O homem bola de fogo paira intocado pela cidade e seus habitantes inflamáveis. Atravessa as estradas derretendo o asfalto, evaporando as águas dos lagos antes pertencentes aos namorados, fritando as vidas que ali fizeram morada.
Nunca mais se ouviu a voz do homem bola de fogo que foi encoberta pelo terror de suas chamas.
Nunca mais ouviu um som humano que não fosse um grito de desespero.
Perceberam que não podiam matá-lo como um homem que foi. Ao saber disso, todos ficaram em silencio já que nem mesmo a sua dignidade existe mais. Quando disparadas em sua direção as balas liquidificam, assim como os carros e guindastes arremessados inutilmente em seu encontro na vã tentativa de eliminá-lo.
Escreveu tudo que sentia com o indicador numa placa de aço. No fim pediu: deixem-me morrer em paz. Nunca mais ouvi falar dele desde esse dia.
segunda-feira, 14 de julho de 2008
Empty Alley at Night (New York City, New York, USA) - Jeff Spielman
quinta-feira, 10 de julho de 2008
Parece combinado com o destino. Sempre quando estou varrendo o piso do bar o primeiro cliente chega. Hoje foi o Ernesto. Menino bom, fera de curso superior, estudioso, ajuda a mãe com o salário do estágio no banco e dá bom dia para as pessoas na rua. Nunca deixa de falar obrigado, desculpe e por gentileza antes de qualquer frase. Sentou-se empolgado na mesa do canto, depositou a meia tonelada de Xerox e livros em cima da mesa, pediu uma cerveja, pôs a caneta em punho e da bolsa que sempre carrega a tiracolo arrancou um caderno (ou era agenda?) para passar o resto do tempo brincando com palavras. É engraçado. Todo mundo que aprende a contar uma piada, fazer uma redação ou uma lista de compras acha que pode ser escritor. Esse tipo de pretensão faz surgir todo dia um novo gênio.
Ernesto passou a escrever em pontos para facilitar o raciocínio. Para não perder o foco primeiro registrou o tema, depois o ponto um, o dois, lembrou de colocar uma frase entre os dois, passou a criar um terceiro ponto que culminava (a partir do sétimo ponto) numa coisa rara na sua obra: o final. Agora bastavam mais algumas palavras de efeito para unir tudo em algo digno de nota alheia. Usando um passe de mágica desembainhou o laptop e transcreveu o que estava no papel, além de alguns dados complementares surgidos durante o processo.
Lá se foi Ernesto escrever com novas pretensões. A maior era ser lido pelo maior número de pessoas alfabetizadas, no idioma que foi alfabetizado. Não era pela fama, muito menos pelo ganho de imortalidade nas palavras. O garoto de barba rala queria mudar o mundo, se possível todo, ainda nesta encarnação.
Varri por perto para admirar aquele esforço. Quando parava, ascendia um cigarro ou tomava um gole do copo que criava uma beta. Parava quando estava em alguma encruzilha. Naquele instante que sentia que ainda não havia falado tudo o que pensou. Então vinha a bebida e os tragos nos cigarros para clarear as idéias. Parecia um menino quando conseguia fechar o raciocínio e corria para escrevê-lo antes de esquecer a idéia. Pediu mais uma cerveja ainda no caminho do banheiro. Assim, pude ler com mais calma aquela coisa doida para ser a novidade do mundo pop contemporâneo. Eu gostei.
O pivete voltou de passinho empolgado ainda fechando o zíper. Sentou para finalizar tudo com maestria. Passou mais uma hora e meia recortando e colando, refazendo, lendo baixinho, ouvindo o som das palavras para matutar como elas soavam na cabeça dos outros. Salvou tudo no pen drive e correu para lan house mais próxima. A essa altura o bar já estava ocupado pelos outros seres lugares-comuns que garantem o meu dinheiro das contas de fim do mês.
Voltou com o peso dos vários impressos recém-saído da impressora. Passou a distribuí-los no bar, subiu na escada e daquela tribuna pôs-se a proclamar seu texto feito divisor de águas do mar vermelho. Admito ter prestado atenção naquele pobre apenas entre um pedido e outro. Pelo pouco que assisti era teatral. Porém, digno de palmas entusiasmadas. Uma escolha de palavras contemporâneas para falar de um tempo novo. Ideologias nossas e não a dos nossos pais, derrotados pelo sistema de forma sutil.
Quando acabou não houve aplauso nem grito de "avante companheiro de causa!". Ele esperou inútil e desesperadamente por aproximadamente dez minutos até finalmente se sentar derrotado nos degraus. Algumas cópias do manifesto jogadas aos seus pés davam-lhe o tom funesto. Passado algum tempo e um pouco menos desgostoso da vida recuperou as forças para levantar em direção a sua mesa. Observava seu trabalho se tronando papel para anotar telefone, escrever poesia, música e dobradura. Finalizou a noite frustrante com uma grade bem tomada ao lado dos outros companheiros feitos naquela noite.
Sossegue garoto. Você não vai ser o primeiro, nem o ultimo, a descobrir que a revolução já passou.
segunda-feira, 7 de julho de 2008
Rita ainda era solteira. E não sei bem se na esperança de encontrar alguém interessante ou se na tentativa de se mostrar uma mulher independente, toda quarta-feira ela se sentava na mesma mesa daquele bar e acompanhada de um uísque lançava o olhar ao horizonte.
Acontece que ela era uma mulher bonita, de pernas torneadas, cintura fina e seios modestos. Tinha os olhos castanhos, tão escuros que pareciam mais profundos que o oceano. Seus cabelos crespos eram sempre bem cuidados e exalavam um perfume discreto, que só se sentia na mais íntima proximidade.
Agostina Segatori Sitting in the Café du Tambourin [Van Gogh]