sábado, 2 de agosto de 2008

Profissão Perigo

MacGyver consegue arremessar o seu arquiinimigo contra o muro incapacitando-o por completo. O corte na cabeça provocado pela quina do extintor de incêndio cobrou seu quinhão de sangue, “mas ele ficará bem” - pensa enquanto desamarra Pete. Ele está esfuziante por ter sido libertado, mas não consegue entender como seu amigo conseguiu escapar daquela situação. “Pura sorte" - afirma. Então, um filme passa na cabeça de MacGyver.

Murdoc tinha conseguido capturá-lo durante uma emboscada na esquina da fundação Phoenix. Como uma agência de investigação daquele porte permitia que seus funcionários fossem tão desprotegidos?

Agora MacGyver estava no meio do deserto do Arizona. Acordou usando o que sobrou de suas roupas e com os mullets cheios de areia. Murdoc terminou se mostrando uma pessoa que não era de todo ruim. Para tanto - ou para extravasar seu senso de humor doentio - deixou de presente um recipiente d'água e uma banana. Ao por a mão no bolso da jaqueta constatou que seu fiel canivete suíço tinha-lhe sido roubado por Murdoc para servir de troféu. Enfim, suas chances de escapar tinham diminuído consideravelmente.

Não havia mais nada a fazer. Desconsolado e querendo evitar a fadiga causada pelo sol ardente do deserto, abrigou-se debaixo de um cacto. Já que estava lá com uma sensação (verdadeira) de que não comia há um bom tempo, deu uma dentada na banana. A dose cavalar de potássio reativou-lhe as ligações simpáticas e seu cérebro fervilhou ao encontrar a forma de sair de lá.

Não tinha tempo a perder. Mergulhou o fruto fálico na água e bateu com as mãos até fazer uma bela vitamina. Com o primeiro passo completo tratou de jogar a vita fora ficando apenas com a mina. Posicionou o artefato no solo e o ativou. A explosão foi tamanha que MacGyver acabou causando um enorme terremoto. Era o que ele estava esperando. Tirou a terra e montou na moto. Saiu de lá e salvou o dia.

Nada como mais um dia de trabalho na Sessão Aventura...

Para saber mais a respeito do nosso herói acesse: http://desciclo.pedia.ws/wiki/Macgyver

quarta-feira, 30 de julho de 2008

FOTO: AAGAMIA

Então nós deitamos. Eu tentava olhá-la, era inútil, não conseguia.
Eu tinha raiva dela estar ali, de saber que ela podeia ouvir meus pensamentos e respondê-los antes mesmo que eu percebesse ter dúvidas.
Eu não queria dividir minha cama, meu lençol, minhas roupas, meus amigos, sonhos, namorados ou qualquer outra coisa com ela, mas era, e ainda o é, inevitável.
Ela está aqui enquanto escrevo e dá pitacos até nos textos do meu diário.
E ela ocupa minha mente mesmo quando quero mantê-la vazia.
E se tomo um porre ela mantêm-se sóbria para censurar minha alegria.
E ela do meu lado. Eu dizia: Vá!!! Vá embora!!! E ela insistia.
Ela sabe que de um jeito meio-certo-meio-incerto fico feliz por não estar sozinha.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

O Homem bola de fogo


O homem bola de fogo passou por aqui. Sentimos o tempo todo mas consegui não consegui vê-lo. dói a vista e o corpo.

Desde que se incendiou o homem bola de fogo nunca mais sentiu a sombra da copa das arvores, o cheiro das flores ou o orvalho que fica sobre as folhas quando a madrugada diz até logo.

O homem bola de fogo não sente o toque de pessoas, a não ser quando os ossos incinerados dos que estão no seu caminho viram pó ao tocar sua pele.

De tempos em tempos, quando a solidão aperta, ele carboniza propositalmente quem está na sua frente para não esquecer o que é sentir. Se ainda pudesse, choraria depois de fazer isso.

Porém, enquanto houver mundo existirá combustível capaz de fazê-lo imortal.

Ele nunca mais soube o que é ficar no escuro e parece estar cansando de tanta luz. Não pode fazer mais nada em segredo que não seja em seus pensamentos.

Certa vez confessou entre labaredas rodopiantes nunca mais ter visto seu rosto em todos esses anos. Também não sabe para onde vai.

O homem bola de fogo paira intocado pela cidade e seus habitantes inflamáveis. Atravessa as estradas derretendo o asfalto, evaporando as águas dos lagos antes pertencentes aos namorados, fritando as vidas que ali fizeram morada.

Nunca mais se ouviu a voz do homem bola de fogo que foi encoberta pelo terror de suas chamas.

Nunca mais ouviu um som humano que não fosse um grito de desespero.

Perceberam que não podiam matá-lo como um homem que foi. Ao saber disso, todos ficaram em silencio já que nem mesmo a sua dignidade existe mais. Quando disparadas em sua direção as balas liquidificam, assim como os carros e guindastes arremessados inutilmente em seu encontro na vã tentativa de eliminá-lo.

Escreveu tudo que sentia com o indicador numa placa de aço. No fim pediu: deixem-me morrer em paz. Nunca mais ouvi falar dele desde esse dia.

foto: Hans Neleman
*
O pensamento a pegou de susto. É incrível como ainda aos 38 anos ela pode se surpreender com essa capacidade de pensar o inevitavelmente insuportável. Sacudiu a cabeça como se pudesse mudar de mote a força. Nada... Insistiu. Levantou da mesa, a muito tinha terminado o jantar e passava o garfo no prato como se quisesse escrever uma palavra que nunca ouvira. Foi até o espelho mais próximo. Não era grande, mas podia observar todo seu rosto até parte do colo. Lembrou de quantas espinhas espremeu na adolescência e viu com desgosto as linhas que marcavam seu pescoço. A velhice. Queira ou não ela chega. Não é só pele ou cabelo branco. É o espírito também. Muitas coisas que fez no passado não faria nem por decreto hoje. Mesmo sabendo que tudo terminaria bem no final. Ou mesmo que não houvesse um final assim tão importante pra se preocupar. Encarou o espelho. Seus olhos pareciam murchos. Uma sensação enorme de vazio passeou pelo seu ventre. Não procriei, pensou. Deus me deu seios, útero, até pretendentes ele mandou. Bons pretendentes, vale ressaltar. Mas ela negou. Negou a mão, negou o coração, negou de tudo um pouco. Negou a quem veio a quem partiu e a quem ficou. Abriu o armário do banheiro, entre remédios e produtos de higiene bucal encontrou um batom vermelho. Um vermelho tão vulgar que por alguns longos instantes duvidou que fosse seu. Tentou. Sentiu um cheiro enjoado de morango ou tutti frutti. Desistiu. Tirou a velha camisola e se derramou na cama. Como se entregue a morte. Sem choro. Sem sono. Sem cansaço. Sem nada que pudesse dar sentido. E como se tudo estivesse limpo. Como se dormindo pudesse voltar tão longe onde nunca tenha ido.



segunda-feira, 14 de julho de 2008

Ele me encarava. Um segundo que mais parecia uma eternidade. Meu corpo foi ligeiramente acelerado pela adrenalina. Eu não conseguia prever qual seria seu próximo passo. Meu primeiro reflexo foi fechar o semblante, queria parecer segura, firme. Queria que ele soubesse que eu também o observara. Queria mesmo que ele entendesse que meu próximo movimento dependeria do seu.

Então ele continuou caminhando em minha direção. Pensei em mudar de rota, mas ficaria muito claro que eu o temia. Segui em frente indo ao seu encontro. Sem medo, ao menos era o que eu queria que ele enxergasse, queria que notando minha coragem ele me temesse.

Passamos um pelo outro. Não olhei de lado, mas ele me olhou, não consegui entender o que dizia sua feição. Só sei que ele respeitou meus pertences e eu já estava grata por ele não levar o celular que eu ainda iria pagar a primeira prestação.


Empty Alley at Night (New York City, New York, USA) - Jeff Spielman

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Abro a porta de ferro de bem uns quinze quilos. Ela desliza suave feito meus dedos entre os cabelos de moça. Bate o teto feito o pai da moça a chamando para entrar. Ainda demoro a acordar e perceber-me como funcionário de estabelecimento comercial. Só depois das cadeiras depositadas no chão, as mesas limpas e o som ligado é que me sinto em um dia de trabalho.

Parece combinado com o destino. Sempre quando estou varrendo o piso do bar o primeiro cliente chega. Hoje foi o Ernesto. Menino bom, fera de curso superior, estudioso, ajuda a mãe com o salário do estágio no banco e dá bom dia para as pessoas na rua. Nunca deixa de falar obrigado, desculpe e por gentileza antes de qualquer frase. Sentou-se empolgado na mesa do canto, depositou a meia tonelada de Xerox e livros em cima da mesa, pediu uma cerveja, pôs a caneta em punho e da bolsa que sempre carrega a tiracolo arrancou um caderno (ou era agenda?) para passar o resto do tempo brincando com palavras. É engraçado. Todo mundo que aprende a contar uma piada, fazer uma redação ou uma lista de compras acha que pode ser escritor. Esse tipo de pretensão faz surgir todo dia um novo gênio.

Ernesto passou a escrever em pontos para facilitar o raciocínio. Para não perder o foco primeiro registrou o tema, depois o ponto um, o dois, lembrou de colocar uma frase entre os dois, passou a criar um terceiro ponto que culminava (a partir do sétimo ponto) numa coisa rara na sua obra: o final. Agora bastavam mais algumas palavras de efeito para unir tudo em algo digno de nota alheia. Usando um passe de mágica desembainhou o laptop e transcreveu o que estava no papel, além de alguns dados complementares surgidos durante o processo.

Lá se foi Ernesto escrever com novas pretensões. A maior era ser lido pelo maior número de pessoas alfabetizadas, no idioma que foi alfabetizado. Não era pela fama, muito menos pelo ganho de imortalidade nas palavras. O garoto de barba rala queria mudar o mundo, se possível todo, ainda nesta encarnação.

Varri por perto para admirar aquele esforço. Quando parava, ascendia um cigarro ou tomava um gole do copo que criava uma beta. Parava quando estava em alguma encruzilha. Naquele instante que sentia que ainda não havia falado tudo o que pensou. Então vinha a bebida e os tragos nos cigarros para clarear as idéias. Parecia um menino quando conseguia fechar o raciocínio e corria para escrevê-lo antes de esquecer a idéia. Pediu mais uma cerveja ainda no caminho do banheiro. Assim, pude ler com mais calma aquela coisa doida para ser a novidade do mundo pop contemporâneo. Eu gostei.

O pivete voltou de passinho empolgado ainda fechando o zíper. Sentou para finalizar tudo com maestria. Passou mais uma hora e meia recortando e colando, refazendo, lendo baixinho, ouvindo o som das palavras para matutar como elas soavam na cabeça dos outros. Salvou tudo no pen drive e correu para lan house mais próxima. A essa altura o bar já estava ocupado pelos outros seres lugares-comuns que garantem o meu dinheiro das contas de fim do mês.

Voltou com o peso dos vários impressos recém-saído da impressora. Passou a distribuí-los no bar, subiu na escada e daquela tribuna pôs-se a proclamar seu texto feito divisor de águas do mar vermelho. Admito ter prestado atenção naquele pobre apenas entre um pedido e outro. Pelo pouco que assisti era teatral. Porém, digno de palmas entusiasmadas. Uma escolha de palavras contemporâneas para falar de um tempo novo. Ideologias nossas e não a dos nossos pais, derrotados pelo sistema de forma sutil.

Quando acabou não houve aplauso nem grito de "avante companheiro de causa!". Ele esperou inútil e desesperadamente por aproximadamente dez minutos até finalmente se sentar derrotado nos degraus. Algumas cópias do manifesto jogadas aos seus pés davam-lhe o tom funesto. Passado algum tempo e um pouco menos desgostoso da vida recuperou as forças para levantar em direção a sua mesa. Observava seu trabalho se tronando papel para anotar telefone, escrever poesia, música e dobradura. Finalizou a noite frustrante com uma grade bem tomada ao lado dos outros companheiros feitos naquela noite.

Sossegue garoto. Você não vai ser o primeiro, nem o ultimo, a descobrir que a revolução já passou.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Toda quarta-feira Rita ia ao bar do Manolo. Sentava-se sozinha numa mesa bem arejada. O garçom ia ao seu encontro com um cinzeiro e uma água com gás. Ela agradecia com um aceno de cabeça e puxava o cigarro para que ele o acendesse. Enquanto ela dava o primeiro trago ele perguntava se desejava o de sempre, ela concordava mais uma vez movimentando a cabeça e voltava seu olhar para o infinito.

Rita ainda era solteira. E não sei bem se na esperança de encontrar alguém interessante ou se na tentativa de se mostrar uma mulher independente, toda quarta-feira ela se sentava na mesma mesa daquele bar e acompanhada de um uísque lançava o olhar ao horizonte.

Acontece que ela era uma mulher bonita, de pernas torneadas, cintura fina e seios modestos. Tinha os olhos castanhos, tão escuros que pareciam mais profundos que o oceano. Seus cabelos crespos eram sempre bem cuidados e exalavam um perfume discreto, que só se sentia na mais íntima proximidade.
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Muitos homens tentavam se aproximar de Rita. Sentavam ao seu lado, perguntavam se esperavam por alguém e então pediam ou mendigavam sua atenção. Ela não se importava, conversava. Algumas vezes por horas, outras até a primeira cartada de sedução barata que os cavalheiros lhe lançavam. Às vezes ela se interessava, deixava-se seduzir pela cantada mais cafageste. Envolvia-se.
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Certa vez Rita saiu do bar com um desses fáceis amores. Passou três meses afastados do seu recanto, mas voltou. Voltou com o mesmo olhar no horizonte, e passou a noite inteira sem dar uma palavra, sem responder a nenhuma investida. Depois de apagar o último cigarro, pegou o troco que o garçom havia deixado no canto da mesa. Entre as notas tinha um papel um tanto molhado com um telefone e umas palavras “espero ansioso pelas quartas”. Rita guardou o papel na carteira, levantou o rosto timidamente e sorriu para o amigo.
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Aquela noite havia acabado. Foi embora e nunca mais voltou.

Agostina Segatori Sitting in the Café du Tambourin [Van Gogh]