quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Burocratização

Chego à sede da SAESBRAS (Secretaria da Agencia Especial de Sistemas Brasileiros) precisamente às dez e trinta. Há pouco tempo eles conseguiram chegar à categoria de Ministério. Está na hora de cobrar favores e fazer novos negócios. Deixei meu assessor direto ajudando o meu gerente de deslocamento estacionando o carro da empreiteira. Prefiro tratar desses assuntos com Otávio com o máximo de discrição possível.
Exceto pelo coordenador de políticas de segurança e o técnico de higiene ambiental não há mais ninguém no hall da repartição que eu ja tenha visto. os outros duzentos devem ser funcionários temporários estagiários. Nenhum deles me cumprimenta, porém me acompanham com os olhos até a entrada do elevador.
Aguardo em silencio. Quando as portas metálicas abrem, entro e digo meu destino ao técnico de transporte vertical. Ele pressiona o botão e subimos ao som de um teclado tocando Beatles que está lá para despistar o barulho do pequeno ventilador de hélices azuis. Sobem e descem em andares seguintes vários técnicos em produção textual digital e alguns auxiliares administrativos direcionadores de documentação específica e pagamentos bancários. Cochicham sempre quando falam de alguém. Não dizem nomes, apenas apelidos, salas, siglas e em alguns casos raros, as funções especificas. Os superiores são o principal alvo das criticas. Parece nenhum deles merece a função adquirida tamanha a incompetência atestada por seus subalternos. As informações costumam ser confirmadas ou negadas pelo técnico de transporte vertical.
Chego ao meu andar. O aroma de café e nicotina dos corredores está em todos os ambientes que percorro. Mantém os funcionários passivos e acordados. As conversas que saem das salas são semelhantes as do elevador. O som de campanhas telefônicas é a musica do lugar. Graças ao auxilio de outro técnico terceirizado de higiene ambiental consigo chegar até a sala do superintendente designado pelo ministério.
Abro a porta de vidro de uma sala decorada com a foto do presidente, uma bromélia, carpete vermelho, luz branca, dois conjuntos de sofás para as visitas constantes e um bebedouro. Como guardiã da sala do superintendente encontra-se uma mulher por trás de um balcão. A assessora de compromissos e direcionamento pessoal despacha o técnico de reprodução de documentação e afins. Ele passa com a pilha de pastas etiquetadas pelo caminho que entrei. Em menos de cinco minutos ela já havia atendido quatorze ligações. Não repassou para o superintende nenhuma. Ele estava em uma reunião com o secretario de desenvolvimento ordinário e o assessor do primeiro ministro da Birmânia e pediu para não ser incomodado. A moça de voz cantada e com sotaque carioca anota os recados porque não há prazo para o fim da reunião. Mas deve ser em breve, pois ele embarcará ainda hoje para Brasília para outra reunião de apresentação dos resultados e avanços dos últimos cinco dias. Quando ela me percebe, abre um sorriso, liga para o seu superior, me anuncia e diz que o superintende já está me aguardando. Me indica a porta que está localizada no fim do corredor atrás dela.
O superintendente usa um gabinete do tamanho de um apartamento de beira mar. Avisto Otávio no canto da sala. Está sentando perto dos janelões. Apesar das duas cadeiras dispostas defronte ao birô do meu colega de partido, no seu colo sua estagiária aprende informática passeando pela apresentação de slides em Power Point que ele vai utilizar na reunião de Brasília. A aula deve estar muito interessante. Ela não para de rir e ele não para de brincar de bolinar o corpo da aluna. Otávio está maior do que na época da campanha. Do jeito que está vai entra na faca pela segunda vez em menos de três meses. Quando me percebem ele pede para ela procure o técnico de reprodução de documentação e afins para que ele providencie cinco copias daquela apresentação. Ela sai da sala caminhando como se estivesse em uma passarela e me dá um sorriso safado quando passa ao meu lado. Em seguida Otávio me pede para sentar numa das cadeiras localizadas a frente da sua mesa. Quando me sento ele pega o telefone e pede a sua assessora de compromissos e direcionamento pessoal encontre a gerente de serviços gerais ligados a cafeína e providencie dois cafés para o convidado dele e ele próprio. Pergunto do pessoal do partido. Ele fala de alguns, avisa dos outros possíveis candidatos que vão ser levados a aprovação na próxima convenção do partido. Fala que as alianças estão quase fechadas e sorrimos quanto ele fecha comigo para não se candidatar ao cargo. Saiu um pouco salgado, mas tiro essa diferença na próxima licitação que ele aprovar para mim na Câmara. Quando acabamos os negócios podemos nos assumir como da mesma família.
- E então Marcos, como anda o pessoal lá de casa? A tia Nita ta boa?
- A enfermeira disse que ela está ótima. Só que anda reclamando do sobrinho dela que não aparece mais. Passa lá em casa esses dias, cara.
- Acho que passo lá essa semana. E o teu filho, ta grandão, hein?
- Era até uma coisa que queria falar contigo. Ele já tem idade de arrumar um emprego para aprender o valor do trabalho. Tem como encaixar teu afilhado aqui não? Pode ser qualquer coisa. É só para aquele vagabundo ter uma desculpa para acordar antes das onze e ficar em outro lugar que não seja no bar ou na praia.
- Fechado. Amanhã ele assume o cargo de Gerente Regional de Políticas Auxiliares. Vou dar um salário de cinco mil para ele ok?
- Otávio, o menino ta com vinte e poucos anos. A mãe dele vive me enchendo o saco. Ele quase não aparece na faculdade. Ele não tem o mínimo de responsabilidade. É só um empreguinho de meio período para ocupar o tempo ocioso dele. Se você der cinco mil na mão desse menino e ele não chega nem ao fim do mês de tanto pó. Já me basta o que tive de gastar naquele caso do mendigo.
- Ah sim. Então coloco ele como assessor técnico de fiscal de obras. Três mil de salário, mais vale alimentação e uma cota de passagem de quinhentos reais. Ele só aparece aqui para assinar o ponto e fica aqui me ajudando em qualquer coisa. Tá bom pra você?
- Acho que você não está entendendo Otávio. É para ser um empreguinho simples. Coisa de salário mínimo...
- Ah, aí já não é comigo. Emprego de salário mínimo só se for via concurso público.

Um comentário:

Unknown disse...

meus amigos funcionários públicos vão adorar esse texto!